17 de jan. de 2012

O foco é outro


Tem existido um empenho razoável por parte de empresas e mesmo dos governos, pelo mundo afora, para retirar as tais sacolinhas plásticas de circulação. Várias legislações municipais, estaduais, e até federais, estão sendo alteradas para garantir essa retirada, inclusive com o incentivo de utilização de sacolas retornáveis. E essa iniciativa é, sim, muito louvável, pela educação que desencadeia. Mas não é suficiente.
Numa primeira vista, parece ser realmente uma panacéia essa solução e, aos pouco avisados, essa poderia parecer a grande solução para boa parte dos problemas ambientais. Sim, porque vemos pelos quatro cantos do Planeta o estrago que as tais sacolinhas plásticas provocam pelo meio ambiente, matando animais, poluindo rios, tirando a beleza de paisagens etc. E elas são bastante longevas; demoram muito para serem dissolvidas. Para coroar o frenesi em torno daqueles objetos poluidores, reportagens as mais diversas estão a apontar desde os exorbitantes números de sua fabricação ou o seu consumo desenfreado até os seus resultados nefastos, quando em vias de descarte.
Mas quero chamar a sua atenção, leitor, para outras questões que ficam aí camufladas. E vou fazê-lo pela comparação com outro tipo de ação que, se isolada, leva aos mesmos resultados parciais e pouco efetivos.
Sabe aquelas primorosas campanhas de mutirão de limpeza de lixo em ruas, represas, praias ou estradas? Daqueles que geram fotos de grupos felizes, compenetrados e cansados, mas satisfeitos com o resultado da sua labuta, ladeados de montanhas de sacos de lixo recolhido. Entretanto, o retorno, pouco tempo depois, aos locais de suas ações mostra que há pouca efetividade naquele tipo de iniciativa, se não for seguida de programas de conscientização de menor consumo, de separação dos diversos tipos de lixo, e de uma infra-estrutura que garanta a sua coleta seletiva e reciclagem.
No caso das sacolas plásticas, não há dúvida de que a sua retirada de circulação é benfazeja. Mas e as outras incontáveis embalagens plásticas que acondicionam os mais variados e infinitos produtos que somos compulsoriamente incentivados a consumir?
Em verdade, há um descompasso entre as reivindicações, que precisa ser apontado. Por um lado, somos bombardeados com a idéia de que consumir é preciso, para que a economia cresça e que todos tenham poder aquisitivo ... para consumir. E os itens de consumo ou são plásticos ou são embalados em plástico, em sua maioria.
Ou seja, deixar de usar sacolas plásticas é importante, mas não é, nem de longe, suficiente. E não havemos de nos empertigar de arautos da sustentabilidade apenas em reduzir o consumo das tais sacolinhas. Nem mesmo de sermos exímios recicladores. O que é importante mesmo é que diminuamos, e muito, os nossos níveis de consumo, buscando fazer, ao máximo, as nossas próprias coisas. Em outras palavras, tentar ao máximo produzir a maioria dos nossos víveres e itens de necessidade restrita. Utopia? Não mesmo!
Há uma infinidade de pessoas com essa proposta e esse estilo de vida pelo mundo todo. E ele é muito agradável e participativo, sendo que as ecovilas tendem a ser locais mais propícios para isso acontecer. Conto muito de como acontece a vida em uma ecovila no livro que escrevi há pouco tempo, de título “Um fazer diferente: vida em Ecovila”, em que relato a nossa experiência enquanto grupo em um conglomerado humano com essas características. Nos textos daqui do blog narro também várias das nossas experiências.

16 de out. de 2011

Nheca!

Sem maiores cuidados e criticidade, olhem só o que estamos fazendo com os nossos corpos e com o meio ambiente!
Está aí na mídia, pra todo mundo ver, mas, incrivelmente, muito pouca atenção é dada a esse tipo de acontecimento:  Toddynho fabricado com água sanitária!
E a explicação da empresa fabricante, a Pepsico, nos dá a dimensão do problema, de forma reversa. Segundo ela, em nota oficial, “durante o processo de higienização dos equipamentos, conforme rotina padrão, houve uma falha e uma das linhas envasou algumas embalagens com o produto usado para limpeza, à base de líquido detergente”.
 Vamos descortinar esse discurso?! Em outras palavras, o que o comunicado diz é o seguinte: existe um método de limpeza que é seguro e rotineiro na fábrica. Houve, entretanto, uma “falha” (pequena, eventual, insignificante no âmbito global) e (casualmente) uma das linhas (só umazinha e não todas, o que mostra uma enorme estratégia retórica de esvaziamento de importância do problema!) envasou algumas embalagens (novamente a estratégia de minimização do problema) com produto à base de detergente líquido! Algo restrito, eventual, pouco significativo, é o que eles querem transmitir.
Sabem o que significa ingerir água sanitária? E como esse é um produto direcionado a crianças, foram/são elas as maiores vítimas!
Mas sabemos que camisinhas, pelos de gatos e mais outros inúmeros itens nada higiênicos têm sido encontrados em molhos de tomates, em refrigerantes e em vários outros produtos comestíveis industrializados. Pergunto, então: por que nós continuamos a consumir esse tipo de comida? Por que não fazemos nós mesmos as nossas comidas caseiras, buscando adquirir produtos sem agrotóxicos, pesticidas ou promotores de crescimento?
Por que aceitamos adoecer ao ingerir comida visivelmente estragada, como nos casos desses produtos contaminados, ou comprometida pelo uso de venenos? Pela facilidade de comprar as coisas prontas, alguns diriam. Pela impossibilidade de fazer a nossa própria comida, as nossas próprias coisas, diriam ainda outros. Será?
Será assim tão difícil cozinhar alimentos de origem conhecida e próxima a nós? Será tão complicado buscar produzir aquilo de que necessitamos?
Noutra direção, será que é tão difícil assim dizer não à exploração de mão de obra escrava ou infantil, por exemplo, ao deixar de comprar roupas e produtos em profusão, sejam eles advindos de grifes caríssimas ou a preço de banana em lojas de quinquilharias?
O que acontece é que nos falta criticidade e determinação. Estamos perdendo a largos passos os nossos dons de criar e fazer as nossas próprias coisas; estamos perdendo a deliciosa vivência do fazermos nós mesmos o que precisamos. Estamos, com isso, nos prejudicando muito, ao ponto de adoecermos, e temos achado que o estilo de vida que levamos é correto! E sabe por quê?
Porque aceitamos o discurso, o bombardeio mesmo, das mídias comerciais, a nos convencerem de que é chique comprar coisas prontas, ao invés de fazermos as nossas próprias coisas; que é mais “prático” adquirir tudo o que precisamos já pronto e embalado. Para que nos sobre tempo para consumir cada vez mais!? O que pergunto é: a que custo de saúde? A que custo para o meio ambiente? A que custo de perda de vivências e dons?
Até quando vamos ser coniventes com essa engrenagem, que nos faz de marionetes de um sistema destruidor? E não é nada difícil ou penoso fazer diferente!
No livro “Um fazer diferente: vida em Ecovila”, e aqui no blog também, muito problematizo essas questões e mostro, inclusive, alternativas de uma qualidade diferenciada para sair desse círculo vicioso e comprometedor em que nos enveredamos e sermos um pouco mais senhores do nosso destino.

25 de set. de 2011

Nós de bobos?


Bato sempre na tecla de que, para haver transformação, é necessário que saibamos olhar criticamente para os acontecimentos, de preferência, antecipando-os. Ou seja, é necessário que não nos deixemos levar pelas sutis manipulações, e mesmo armadilhas, a que estamos sujeitos, nos mais diversos âmbitos das inter-relações. Acredito, assim, que para haver uma real mudança tanto nas relações sociais e interpessoais, quanto no que diz respeito ao meio ambiente e mesmo aos modelos econômicos, as iniciativas precisam ser desencadeadas nas bases, a partir de cada um de nós, sem esperar que venham de cima, de governos ou de sistemas mais complexos ainda. E para exercitarmos essa nossa necessária posição crítica (e holística), passo aqui a mais uma análise de fatos.
Nesta semana aconteceram coisas que, se juntamos, para observar a força das mídias sobre mentes pouco atentas, teremos a dimensão aproximada do estrago que isso pode causar. A menos, claro, que desenvolvamos o costume de observar com cuidado o que está por trás do que é dito, analisando os fatos com uma consciência crítica acentuada.
Vamos pegar dois fatos aparentemente distante e juntá-los com o comentário que fiz na postagem da semana passada, sobre aquela mulher obesa que ganha dinheiro de internautas para continuar engordando, para dimensionar o que estou afirmando? De um lado, Sandy, na Playboy,  e, de outro, o massacre na Noruega, pode ser?
Na internet pode ser vista a manchete “A revelação que a cantora Sandy fez à revista Playboy do próximo mês está causando burburinho no Twitter”, com a seguinte resposta dada por ela: “Não foi bem aquela a minha resposta. Mas, tá valendo a brincadeira... rs... Eu nunca falei e não falo detalhes sobre minha vida íntima. Mas, que os ingressos pra gravação do meu DVD (de MÚSICA! hehe..) estão quase esgotados, é verdade! Quem quiser, corre lá!". As pessoas ficam curiosíssimas, ávidas por novidades, de preferência sensacionalistas, e terminam correndo atrás das “informações”. Neste caso, a meta da chamada “menininha” foi causar sensação, aparecer e, claro, embolsar lucros. Está dando certo, como afirma ela mesma. Foi o que aconteceu, também, com a história de obesidade mórbida aqui relatada na última postagem.
Em âmbito geral, o caso do massacre da Noruega segue a mesma linha. O autor daqueles crimes quer chamar a atenção e causar impacto, arregimentando seguidores. Aproveitando a abrangência dada às informações na atualidade, ele apelou para uma estratégia de impacto devastador, com vistas a se fazer ouvir, às custas de dezenas de vidas e em nome de um raciocínio segregacionista que encontra solo fértil nas realidades vivenciadas pelos países europeus. Seguindo o mesmo estilo de raciocínio de Hitler, ele lançou um manifesto no youtube, lido apenas por um número limitado de pessoas (ainda), porque aquele canal o retirou de circulação. Mas não há dúvidas de que, seja pela curiosidade estabanada de muitos ou mesmo pelas estratégias por ele minuciosamente pensadas, as suas atitudes muito vão repercutir e ele ainda muito conseguirá ser ouvido.
Pergunto, então: sabendo dessas inúmeras estratégias de manipulação e de convencimento por que somos bombardeados, por que não aprendemos a exercitar as nossas capacidades de olhar para as causas e conseqüências, de buscar antecipar os fatos e inúmeras outras formas de nos posicionar atentos aos acontecimentos? Afinal de contas, não é nada agradável, não é nada produtivo, não é nada harmonioso sermos feitos de bobos.

6 de jun. de 2011

Nossas atitudes fazem a diferença

Algumas pessoas mais pessimistas, mais fatalistas até, ao terem lido os meus últimos dois textos postados, dirão em plena convicção, que não adianta ficar sonhando com o campo, tendo experiências sensoriais com jabuticabeiras e coisas do gênero. Afinal, como eu mesma frisei no título da minha última postagem, passamos de vivências com as jabuticabeiras para a realidade nua e crua.
Mas vamos parar para pensar o quanto esse posicionamento é comprometedor? A realidade não precisaria ser essa que temos aí, de agressividade social e ambiental. Não precisaria, não. Não seria! Ou não será! Se tivermos consciência da força das nossas ações e posicionamentos em planos individuais e coletivos. E agirmos!
Contei no livro Um fazer diferente: vida em Ecovila, por mim escrito recentemente, que há pessoas que adoram projetar catástrofes e que nada fazem para mudar as realidades, e dei fartos exemplos daquele perfil, no capítulo Raciocínios bélicos, em que narro posturas e casos daqueles que entendem que para o mundo não tem mais jeito, por exemplo, no que tange ao poder das grandes potências e à sua avidez por domínio dos recursos energéticos. Contei ali, também, quando abordava questões ligadas à utilização de energia nuclear, que a Alemanha está às voltas com vazamentos de lixo radioativo em um depósito subterrâneo na cidade de Gorleben, por conta de abalos sísmicos não previstos pelos técnicos da operação, que juravam ser aquele um depósito de segurança máxima.
Assistimos, nestas últimas semanas, a densas e efetivas manifestações populares naquele país, de muitas e muitas pessoas contrárias à utilização daquele local para o depósito de lixo nuclear advindo da França, país que paga àquela localidade para realizar o referido descarte. As pessoas se amarraram às linhas férreas, impedindo a passagem dos vagões com material radioativo, fizeram vigília, barulho, reivindicações as mais diversas e mostraram ao mundo que não aceitam aquela situação, reivindicando mudanças locais na política voltada para os recursos energéticos.
Acontece que há também uma grande pressão ali para a utilização de energia atômica, porque as pessoas não querem abrir mão das suas regalias e confortos e por conta de os países daquela região não terem tantas alternativas energéticas quanto aquelas que ainda temos por aqui, nos trópicos — embora o governo e o empresariado daqui também defendam incondicionalmente a utilização daquela fonte energética. Absoluto non sense!
Primeiramente porque podemos ser mais parcimoniosos com os nossos gastos energéticos, cada um de nós com um cuidado real e efetivo com as nossas formas de consumos, em verdadeira mudança paradigmática – no livro conto experiências belíssimas que podem ser passadas a luz de vela ou do luar, ou mesmo dentro de casa com o mínimo de consumo de energias de diversas ordens. E podemos também, ao optarmos por uma vida mais simples, mais local, fazer uso de energias alternativas, advindas de recursos locais, que não precisam ser produzidas em mega-projetos impactantes, como os modelos das gigantescas usinas hidrelétricas ou as usinas nucleares, que comprometem e mesmo arrasam o meio ambiente.
Dá para perceber, assim, que são as nossas atitudes individuais e coletivas, em busca de uma vida mais minimalista e menos impactante, que farão a diferença, em nome de possibilitar que as próximas gerações tenham a chance de viver num Planeta possível, não é?

26 de abr. de 2011

De jabuticabeiras à realidade crua

As manchetes e as notícias de catástrofes ambientais estão aí a preencher a nossa quota de indignação e de incredulidade, para com a capacidade humana de exceder perniciosamente os limites do possível e do imaginável. Assim é que vimos passar à frente dos nossos olhos, em telas de TVs e de computadores, notícias e imagens do vazamento de milhões de litros de petróleo no Golfo do México — tendo este se constituído no pior episódio de agressão ambiental nos Estados Unidos, dentre incontáveis outros de séria monta já acontecidos tanto ali quanto pelo mundo afora — ou do vazamento de milhares de metros cúbicos de resíduos tóxicos de lama vermelha na Hungria, um resíduo do processo de transformação da bauxita em alumina, matéria-prima para a fabricação do alumínio, que contém metais pesados, como chumbo, e é radioativa. Imaginem o impacto causado na vida dos seres, humanos e de incontáveis outras espécies, com aqueles acidentes! E não só dos indivíduos do lugar. Nós também somos invariavelmente atingidos com tais problemas, ao curto, ao médio ou ao longo prazos, nos mais variados cantos da Terra!
Há alguns dias, depois de meses de estragos e de finalmente terem conseguido fechar o derramamento de petróleo, assisti a uma reportagem sobre o episódio, em que se falava das providências tomadas em relação à situação. Para que aquela monstruosa mancha negra parasse de assustar, ou incomodar, que era só o que eles podiam fazer, dadas as dimensões do acidente, foram despejadas toneladas de substâncias químicas na base do vazamento, com vistas a pulverizar o petróleo bruto, o que fez com que ele desaparecesse da superfície da água do mar. E o pior, alguns especialistas ligados àquela ação afirmam, em declarações irresponsáveis, levianas mesmo, que a pulverização do óleo fez com que ele “sumisse”, e que, com isso, o problema havia sido resolvido. Em verdade, afirmam outros especialistas mais ponderados, aquele material, embora tenha se ausentado das vistas humanas, continuará, durante muitos e muitos incontáveis anos, a causar estragos indeléveis, principalmente ao fundo desconhecido dos oceanos, provocando os mais impensáveis impactos. Tudo isso, feito em nome de preservação de imagens políticas e de grupos econômicos, e, principalmente de nos ludibriar, ao varrer o problema para debaixo do tapete, ou, mais pontualmente, para o fundo do mar.
Precisamos, entretanto, nos atentar para o que está por trás de toda essa manipulação, de toda essa situação surreal. Apesar de ficarmos indignados com as irresponsabilidades e com os jogos escusos de poder, precisamos nos perguntar: por que se busca extrair petróleo em condições tão arriscadas? O que respalda operações como aquela de acúmulo de lama vermelha? Ou por que acontecem tais catástrofes? Superadas todas as instâncias de responsabilizações, o que escandalosamente se apresenta é a seguinte conclusão: se cada um de nós humanos diminuísse os nossos padrões de necessidade, de viajar e de fazer turismo, por exemplo, ou de consumir produtos que vêm de enormes distâncias, gastando em seu transporte grandes quantidades de combustível fóssil, se buscássemos consumir o mínimo realmente necessário à nossa sobrevivência, empreendimentos como aqueles não encontrariam respaldo para se instalar, pela inviabilidade econômica que a eles se apresentaria, e o Planeta não estaria sob a séria ameaça em que se encontra. Assim, façamos a nossa parte, consumindo menos, cuidando mais!

19 de abr. de 2011

Tempo de jabuticabas!

Na Ecovila em que vivo, temos também jabuticabeiras no pomar que plantamos, que conta com uma grande variedade de frutíferas, das mais exóticas, como umbus, tamarindos ou cajus, até as mais triviais, como limões-rosa caipiras e goiabas brancas e vermelhas. Com aquela variedade de frutos, a tendência é que não precisemos recorrer a mercados para suprir as nossas fruteiras, principalmente porque cada ecovilense faz seu próprio míni pomar em seus lotes particulares. E o lugar é muito lindo, como já contei no livro Um Fazer Diferente: Vida em Ecovila.
Temos ali uma jabuticabeira anã, que era bonsai e que, aos pouquinhos está crescendo, vigorosa e frondosa. Muito bom observar os seus lentos avanços; sim, porque as jabuticabeiras crescem muito lentamente, até se tornarem senhoras centenárias. Outras chegaram lá mais recentemente, plantadas por nós, em grupo, nos agradáveis mutirões que já fizemos, ou só com o meu marido, naquele afastamento sublime dos barulhos da metrópole, que nos permite escutar o som do vento e o canto de pássaros os mais variados, que por ali moram ou transitam.
Bem no canto limítrofe do pomar, existem duas dessas matronas quase centenárias, exuberantes, para as quais sentimos necessidade instantânea de olhar com respeito, pela sua majestosa imponência, reverenciando-as como sábias senhoras, que já viram passar muitos acontecimentos. No começo desta Primavera, vimos de lá do alto, na nossa casa, que elas se vestiram de roupas novas, dum verde-claro alegre e farto, prenúncio de que logo em seguida ofertariam os seus frutos para o deleite de quem os quisesse degustar, pássaros, insetos ou gente.
Foi o que fizemos assim que os seus troncos ficaram repletos de bolinhas pretas, vistosas e brilhantes. Muito bom subir por aqueles galhos rígidos, fortes, tentando alcançar os seus frutos maiores e mais saborosos, na avidez e no desejo de saboreá-los. Saciada a vontade e empoleirada naquele lugar alto, de onde via o meu marido e um casal de amigos queridos em suas próprias empreitadas de deleite e de prazer, pus-me em sintonia com aquele ser exuberante e longevo, que me envolvia com seus galhos, esforçando-me para pulsar em um ritmo mais tranqüilo e contemplativo, mais compatível com a sua própria existência e vibração. Cessada a agitação e controladas as ansiedades, desdobrei-me em agradecimento ao Cósmico por poder vivenciar e perceber os detalhes e as sutilezas daquele lugar-momento especial.
Saímos dali plenos, felizes e revigorados em nossas convicções de que estamos trilhando um caminho especial para os nossos próprios seres e, principalmente, necessário e imprescindível para as ações de sustentabilidade das quais não podemos prescindir, sob pena de em um tempo mais próximo do que possamos imaginar, os nossos filhos e netos não poderem mais desfrutar desses prazeres proporcionados pela nossa Mãe-Terra. 

12 de abr. de 2011

A era dos egoísmos

Tem um trabalho acadêmico de que gosto muito, acerca dos padrões de beleza humana, que diz que a beleza é inversamente proporcional ao que mais mata em determinada época. Com base nisso, o autor demonstra que, em certo período da Idade Média, por exemplo, o que mais matava era a fome e, por isso mesmo, ser bonito se vinculava a ser rechonchudo. Sabem aquelas pinturas de anjos gordinhos, cheios de celulites? Ou de mulheres opulentas, que demonstravam com os seus corpos haver fartura de comida em casa? Era o padrão de beleza da época. Em contrapartida, na atualidade as doenças que mais matam estão vinculadas à obesidade e aos problemas do coração. E qual tem sido o nosso padrão de beleza? Mulheres esquálidas. Mas esse quadro está, aos poucos, mudando, por conta de estarmos aprendendo a ponderar sobre os excessos.
Tomo, então, essa linha de raciocínio, para buscar explicar um outro acontecimento. Na história da humanidade, a usurpação dos direitos humanos sempre foi uma tônica muito presente e o indivíduo, ao longo da história dos povos, sempre foi muito pouco considerado. Resultado disso, bastante legítimo, é que os discursos sobre o amor próprio e a valorização da pessoa passaram a fazer enorme sentido. Mas, em uma época em que os comportamentos são fortemente ditados pelas mídias, o incentivo ao “eu me amo” e ao “eu mereço”, tendo encontrado solo fértil, têm batido recordes de insensatez. Assim, embora seja ancestral o desejo de fazer a diferença, hoje, por conta de um fino trabalho publicitário de convencimentos, justifica-se que tudo seja em nome do nosso prazer ou da minha satisfação, o que tem sido a grande tônica dos desejos e das reivindicações.
Em verdade, tudo o que se apresentar como novidade para a nossa excitação, o nosso deleite e o nosso conforto é muito bem-vindo. Só que nos esquecemos de levar em conta, nessa equação, os aspectos ideológicos que estão atrelados às manipulações retóricas dos sistemas. E o atual sistema econômico no qual estamos inseridos prega que para haver riqueza, geradora de prazer e de confortos, é necessário haver consumo. Muito consumo. Como isso é conseguido? Com a instauração de desejos cada vez mais rebuscados, que satisfaçam a nossa ânsia pela novidade e pelo diferente. Tudo em nome da auto-realização.
Acontece que a situação do Planeta Terra está à beira de um colapso, tanto do ponto de vista ambiental, quanto social, exatamente por conta desse querermos e merecermos muito. Mas ainda bem que o Universo é cíclico por sua própria natureza, não é mesmo? Em nome dessa urgência, inadiável e indeclinável de preservação ambiental e de atenção ao social, estamos sendo impelidos a pensar e a agir em uma direção mais compartilhada, menos egoísta. Nesse contexto, a ajuda mútua, o princípio do “a união faz a força”, o interesse pela situação do próximo, a preocupação para com o meio ambiente em que vivemos, que estiveram por muito tempo bastante ofuscados e relegados às moscas, estão voltando à ordem do dia.
E o que as próximas gerações nos pediriam fervorosamente, se assim fosse possível, é que esse movimento histórico, agregado ao jogo ideológico que o acompanha, seja visceralmente percebido por cada um de nós, para que mudanças profundas nos nossos comportamentos sejam efetuadas, em nome de uma reviravolta necessária, urgente e pontual. No caso da mudança nos padrões de beleza, tivemos todo o tempo do mundo para empreender modificações nos nossos gostos e formas de agir. Com relação à necessidade de mudança nos nossos padrões de comportamento de egoísmo e de consumo, para um comportamento de atenção ao social e ao ambiental, não podemos nos dar ao luxo de entender que as próximas gerações se encarregarão de empreender transformações. Mesmo porque a água está batendo em nosso pescoço. As pesquisas e as projeções têm mostrado que o que pensávamos ser problema do outro, empurrado para o futuro, está em vias de comprometer a nós mesmos e à nossa descendência mais próxima. E isso costuma fazer o nosso sangue ferver. Tomara!